2. Deparou-se com uma rebelião dentro
dele. Refletia e como sentia grande angústia por não ter claras as
respostas, começou a buscar a Deus com toda sinceridade e humildade de
coração. Pensando em ser Cavaleiro na Guerra entre Perusa e
Assis, ficou um ano preso, voltou derrotado e doente. Tentou novamente
ir para a Guerra de Apúlia, mas começou a acontecer-lhe coisas
diferentes, e, por outro lado, já não aceitava as atitudes de seu pai.
Entre as derrotas e as novidades que vinha descobrindo, Francisco
sentia um turbilhão de coisas que era preciso entender bem. Quando
começou a dar-se conta da vida que levava, da esperteza de seu pai com
os clientes, dos miseráveis que não tinham o que comer, que eram
escravos no trabalho e não tinham quem os defendesse e tantas outras
coisas.
3. Foi redescobrindo todos os seus
verdadeiros valores: detestava a covardia, a injustiça e seu caráter
forte mostrou-lhe a insensatez de sua vida vazia, bem como de seu pai e
da sociedade em que vivia até então. Ao ouvir a mensagem do
crucifixo de São Damião, entendeu que devia empreender grande luta para
vencer tudo o que lhe estava acontecendo e caminhar para onde queria
chegar, de fato, em sua vida.
4. Neste período sofreu muito, mas foi o
tempo em que mais cresceu como verdadeiro cristão, como servo de Deus,
pois buscava por em prática aquilo que o Evangelho lhe ensinava, bem
como aquilo que o Espírito Santo o iluminava em suas orações. Começou
a frequentar cavernas para conversar com Deus, de onde saía muitas
vezes lívido pelo cansaço de enfrentar-se a si mesmo e a Deus. A partir
desses encontros foi descobrindo o verdadeiro amor. Crescia seu
conflito com o pai e resolveu desligar-se completamente dele para
seguir ao seu único Pai, o Senhor do céu e da Terra. E vendo o mundo
com outros olhos, percebendo o imenso amor de Deus para com ele e com
toda a humanidade começou a gritar para si mesmo e para todos‘O Amor não é amado’ e apoderando-se do seu coração uma imensa compaixão, começou a cuidar dos leprosos em Gúbio, perto de Assis.
6. Vejo o processo inicial de evangelização
de Francisco quando passou a sofrer junto com os espoliados de seu
tempo todas as injustiças e procurava ardentemente conquistar os
pecadores para o Reino de Deus. Prosseguindo sua conversão
radical, vestiu-se de eremita e começou a reparação da Capela de São
Damião, pensando que a mensagem que ouvira do crucifixo referia-se à
Igreja de pedra. E assim prosseguiu com a Igreja de São Pedro e Santa
Maria dos Anjos, a Porciúncula. Tudo isto foi transformando
radicalmente seu modo de viver, de ver as coisas, as pessoas e seus
amigos que antes o acompanhavam nas festas e alguns chegaram a chamá-lo
de louco com o povo de Assis, mas, passado algum tempo, foram se
reaproximando e, depois que lhes explicava sua descoberta do Amor que
não era amado neste mundo, muitos se converteram.
7. Pareceu-me que queria ser mais
rigoroso que o próprio Cristo, porque sentia-se muito pecador. Tanto
que, ao final de sua vida, com tantas penitências pediu perdão ao irmão
corpo. Por volta do ano 1208, descobriu com mais clareza sua
missão apostólica e trocou suas vestes pelas de um pregador ambulante,
descalço, naquele tempo. Começaram as missões evangelizadoras um pouco
mais programadas com seus companheiros. Era rigorosíssimo consigo
mesmo, mas terno e acolhedor com os outros.
8. Era realmente apaixonado por Deus e doou-se completamente ao seu amor, com todas as suas forças.
Por ser um homem determinado, compreendeu que em sua vida devia
realizar uma missão que ajudaria muitas pessoas a compreender que,
verdadeiramente, todos nascemos para conhecer, amar e servir ao único
Deus verdadeiro. Por isso, não perdia nenhuma oportunidade de
empreender missões, pregações e orientar ao povo que dele se aproximava
para o seguimento de Nosso Senhor Jesus Cristo pobre e crucificado.
9. Ele não media esforços e superava tudo para conseguir aquilo que acreditava ser a vontade de Deus.
Neste projeto de vida, resolveu com seus onze companheiros ir ao
encontro do Papa Inocêncio III para obter aprovação de uma breve regra
que tinha escrito, mas perdeu-a e obteve apenas aprovação oral. Isto
aconteceu em clima de extrema pobreza e com muito sacrifício.
10. Vivia sua missão até sem dar-se
conta claramente de todos os seus objetivos. Deixava-se conduzir pelo
Espírito Santo. Só tinha uma clareza: em cada dia queria servir ao seu
único Senhor fielmente, com grande humildade.Ensinava aos
irmãos que sempre pedissem em suas orações ‘o Santo Espírito do Senhor
e seu santo modo de agir’. Sua referência principal era sempre o
Evangelho e procurava segui-lo fielmente.
11. Era realmente um homem privilegiado por Deus, por Ele guiado e, por isso, recebia e distribuía tantas graças.Como
muitos outros candidatos, aproximavam-se querendo aderir ao seu modo de
vida, mostrava-lhes em que consistia isto e os recebia com grande
caridade. Quando passaram a viver na Porciúncula, local que lhe foi
doado pelos beneditinos, ele viu aí o lugar central de sua missão. Era
grande devoto da Virgem Santíssima a quem confiava tudo o que fazia e
os que o acompanhavam.
12. Vejo em São Francisco de Assis um
dos santos que alcançou o mais alto grau de liberdade interior que uma
criatura possa alcançar. E isto ele conseguiu com muita oração,
meditação e contemplação. Francisco gostava das alturas para
suas mais profundas meditações. De fato, não se contentava com lugares
barulhentos, ou onde pudessem incomodá-lo. Refugiava-se para estar a
sós com Deus.
13. Vejo-o como alguém muito humano,
que tinha verdadeira consciência de suas fraquezas, de sua pequenez,
mas se ancorava corajosamente na Majestade do Altíssimo, por isto fazia
tudo ‘em nome do Senhor’. Tinha, portanto, uma sabedoria
divina que o fez compreender o modo de agradar a Deus e glorificá-Lo,
transmitindo aos outros tudo o que tinha experimentado. Com seu caráter
sempre transparente, não se envergonhava de falar de todas as suas
misérias, pois nisto via que Deus era glorificado.
14. Em suas relações com o feminino,
Francisco conhecia bem o pensar daquele tempo, mas não teve problemas,
porque era prudente em seu comportamento diante da sociedade. Sabia
protegê-las e cuidar de suas amizades preservando a dignidade das
mulheres. Clara de Assis foi sua importante seguidora
contemporânea. E sua amiga ‘Frei Jacoba’, assim chamada para entrar no
lugar onde estavam os irmãos, esteve presente também no momento de sua
morte.
15. O Senhor mostrou-lhe que tinha percorrido o caminho certo.
Francisco de Assis gastou-se ao máximo pelo Reino de Deus. Sofria com
os desencantos que lhe causavam algumas pessoas que entraram na Ordem,
mas não entenderam bem a vocação de seguir a Cristo pobre e
crucificado, mas ao mesmo tempo o Senhor o consolava.
16. Considero isto uma grande maravilha. Francisco de Assis é uma obra extraordinária de Deus. Quando
estava quase morrendo e terminou o canto das criaturas já com tantas
debilidades físicas, penso que deixou ao mundo a herança de sua imensa
gratidão ao Criador de todas as coisas. Todos os louvores que dedicou
ao Senhor foram de grande reconhecimento, de júbilo, de um coração
exultante de alegria por ser filho de um tal Senhor!
17. O que vejo em Francisco de Assis como
modelo fundamental é que ele nos ensinou que devemos conduzir nossas
vidas de modo a chegar ao encontro com o Altíssimo, somente por sua
infinita misericórdia, reconciliados com tudo e com todos.
Francisco conseguiu a plenitude da paz para si e foi instrumento de
reconciliação em muitas ocasiões, morreu abençoando a todos. Teve uma
morte santa, completamente despojado de tudo.
Somente uma criatura muito privilegiada podia ter uma visão assim tão ampla da integridade da Criação no século XIII.O
fato de chamar de irmãs e irmãos a todas as criaturas me faz pensar
como ele conseguiu harmonizar consigo mesmo tudo o que existia, pois
atribuía ao Senhor todos os bens.
Jamais ele teria pensado que, muitos
séculos depois de sua morte, viria a ser o santo preferido também de
muitos intelectuais, artistas e tantas pessoas de elevado nível
cultural e não somente dos pobres e pequeninos, pois via em todos a
imagem e semelhança de Deus. Tampouco que iria extrapolar o
âmbito da Igreja Católica, Apostólica, Romana, sendo referência para
muitas outras religiões e culturas.
Penso que o fato de ter enfrentado e
vencido a si mesmo, de ter alcançado a sabedoria de Deus, de ter
compreendido que era seu dever transmiti-la a todos que cruzassem seu
caminho, fez com que tanta gente descobrisse o verdadeiro significado
de ser filho de Deus e a grande dignidade que isto representa.
Neste século XXI eu o
vejo como um modelo de pessoa humana íntegra, que amava a todos, a sua
cidade, procurou se relacionar com o mundo de sua época, era aberto a
todas as realidades e buscava fazer tudo o que estivesse ao seu alcance
para mostrar a todos o ‘Caminho, a Verdade e a Vida’. Louvava ao
Senhor com gratidão por todos os seus imensos benefícios e, por tudo
isso, creio que é o santo de todos os tempos.
(*) Maria Aparecida Crepaldi,
graduada em Psicologia, com Doutorado em Saúde Mental pela Unicamp e
Mestrado na PUC-SP, é Conselheira da Presidência do Conselho
Internacional da Ordem Franciscana Secular (CIOFS)para os países de
Língua Portuguesa.
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